Pobreza é coisa do diabo ou falta de fé?

Pobre é aquele “que não tem o necessário à vida; sem dinheiro ou meios” (Dicionário Aurélio). “Pobreza – A lei judaica era cuidadosa acerca dos pobres. Eles tinham direito de apanhar aquém e além o que se deixava ficar no campo depois da ceifa, ou depois da vindima, ou depois da colheita de azeitonas (Lv 19.9,10. Dt 24.19,21; Rt 2.2). No ano sabático eram os pobres autorizados a ter parte nas novidades (Êx 23.11; Lv 25.6); e se eles tinham vendido alguma porção da sua terra, ou tinham cedido a sua liberdade pessoal, tudo isso lhes devia ser restaurado no ano do Jubileu (Lv 25.26 e seg.; Dt 15.12 e seg.). Além disso, eram protegidos contra a usura (Lv 25.35, 37; Dt 15.7,8; 24.10 a 13); recebiam uma porção de dízimos (Dt 26.12.13); e ainda sob outros pontos de vista tinha de ser considerada a sua situação (Lv 19.13; Dt 16.11,14)” (Dic. Bíblico Universal – Buckland).
A lei mosaica não considerava a pobreza uma falta de fé ou uma obra demoníaca. Os israelitas amparavam os pobres: “Não fecharás a mão ao teu irmão pobre” (Dt 15.7). Notem que existiam pobres que, apesar dessa condição, eram chamados de irmãos. Deus não garantiu que todos os justos seriam ricos, pelo contrário: “Nunca deixará de haver pobres na terra. Portanto eu te ordeno: Livremente abrirás a tua mão para o teu irmão, para o teu necessitado, e para o teu pobre na terra” (Dt 15.11). Com base nessa palavra, os filhos da teologia da prosperidade deveriam lançar uma campanha nacional em favor dos irmãos pobres, e destinar parte do dízimo para esse fim, utilizando a mesma energia com que usam o Antigo Testamento (Malaquias 3.10) para arrecadar dinheiro. O apóstolo Paulo deixou o exemplo: “Pois pareceu bem a Macedônia e a Acaia fazer uma coleta para os pobres dentre os santos que estão em Jerusalém. Isto lhes pareceu bem, como devedores que são para com eles” (Rm 15.26-27). Fala-se em ajuda e não em falta de fé.
Jesus teve a mesma postura com relação aos pobres. O auxílio aos pobres foi por Ele usado como um dos requisitos à salvação do jovem rico (Mt 19.21); repetiu a profecia do Pentateuco: “Sempre tereis convosco os pobres” (Mt 26.11), elogiou uma “viúva pobre” que fez uma oferta pequena, mas de bom coração (Mc 12.43) e nunca expulsou um espírito de pobreza. Em nenhum momento, em toda a Bíblia, há qualquer indício de que a pobreza é conseqüência direta da falta de fé. Jesus curou muitos pobres, pregou as boas novas para milhares de necessitados, mas nunca ensinou que a riqueza provém da fé. Agora, vejam o contraste nas palavras dos mestres da confissão positiva:
“Não somente a ansiedade é um pecado, mas também o ser pobre, quando Deus promete a prosperidade” (Robert Tilton, citado por Hank Hanegraafff, “Cristianismo em Crise”, p.200). Para Tilton, o pobre é um miserável pecador.
“O diabo é que impede o dinheiro de chegar a você…”. “A doença e a enfermidade procedem de Satanás…” (Kenneth Hagin, citado por John Ankerberg e John Weldon, em Os Fatos sobre o Movimento da Fé). “Não ore mais por dinheiro…Exija tudo o que precisar. Deus quer que seus filhos usem a melhor roupa. Ele quer que dirijam os melhores carros e quer que eles tenham o melhor de tudo…simplesmente exija o que você precisa” (Kenneth Hagin, citado por Paulo Romeiro, em Supercrentes, 9a edição, 2001, p. 43). Quão longe estão estas palavras do evangelho do arrependimento, do perdão, do caminho estreito, do carregar a cruz, da humildade!
“Você quer prosperar? O dinheiro vai cair sobre você da esquerda, da direita e do centro. Deus começará a fazê-lo prosperar, pois o dinheiro sempre se segue à retidão… Diga comigo: Tudo que eu possa desejar já está em mim” (Benny Hinn, citado por John Ankerberg). Os seguidores desses “heróis da fé” ficam sabendo que a vida cristã é um mar de rosas. É só fazer o sacrifício pecuniário e dinheiro vai chover do céu. Jesus disse que os que quisessem segui-lo deveriam carregar sua cruz. Seria carregar uma cruz recheada de dinheiro?

Papas da prosperidade

Ao dizer que pobreza é do diabo, as estrelas da teologia da ganância fazem ouvidos moucos às palavras de Paulo: “Menosprezais a igreja de Deus, e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto não vos louvo” (1 Co 11.22). Nas igrejas onde a pobreza é conseqüência de falta de fé, os pobres são envergonhados e os ricos exaltados. Estes, porque são mais generosos nas ofertas, recebem uma oração especial, específica e demorada. Os gurus exigem das ovelhas ofertas cada vez maiores para que possam – eles ou elas? – receber bênçãos cada vez maiores. Quando o pobre ofertante continua pobre; quando o aposentado, a professora e o operário continuam ano após ano recebendo o mesmo salário, sem perspectiva de melhora, os arautos chegam à mais perversa das conclusões: falta de fé ou espírito maligno. A solução é se submeterem a novos sacrifícios, sempre em dinheiro. Se cem, duzentos ou trezentos ficam desiludidos e se libertam desse ciclo vicioso, não há problema: outros, em maior número, tomam seus lugares e a arrecadação continua crescendo. Diante dessa situação de crise por que passa o Cristianismo, muito bem se expressou Hank Hanegraaff:
“A coragem de Lutero estabeleceu uma poderosa reforma que expôs todas as chantagens e extorsões que grassavam naqueles dias de trevas. Atualmente, uma nova reforma é urgentemente necessária. A pilhagem dos pobres, santificada pelas bulas papais dos anos passados, é estranhamente similar, hoje, aos apelos duma nova geração de “papas da prosperidade”. Tetzel espoliava os pobres de seus dias prometendo-lhes libertação do purgatório. Os falsos mestres da atualidade estão engrupindo toda uma geração com promessas de liberdade da pobreza e prosperidade” (Cristianismo em Crise, p.211).
Os arautos dessa doutrina ensinam que os cristãos devem ser ricos, buscar a riqueza, exigir de Deus a riqueza. Em contraste, a Palavra aconselha:
“Porque nada trouxemos para este mundo, e nada podemos levar dele; tendo, porém, sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Os que querem ficar ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores” (1 Tm 6.7-10).
A Bíblia diz que Deus escolheu os pobres para serem ricos na fé e herdeiros do Reino (Tg 2.5). Eis a prova de que pobreza não é falta de fé. Os pobres, não tendo bens para neles depositar sua confiança, depositam-na exclusivamente no Senhor.
Jesus nasceu em um lar pobre. A oferta de um par de rolas ou dois pombinhos, quando da apresentação do menino ao Senhor, em Jerusalém (Lc 2.24), indica que José e Maria eram pobres, pois assim dizia a lei: “Se os seus recursos não forem suficientes para um cordeiro, então tomará duas rolas ou dois pombinhos, um para o holocausto e outro para a oferta pelo pecado” (Lv 12.8). Tal fato significa dizer que todos devemos ser pobres? Não. Significa que José e Maria não tinham fé suficiente? Que estavam sendo atormentados por um espírito maligno? Inadmissível. Pedro não tinha “nem ouro nem prata” para dar ao mendigo, mas tinha algo muito mais valioso, que era fé em Jesus Cristo, o Nazareno (At 3.6). Se o modismo da confissão positiva existisse no tempo de Paulo, ele seria considerado um fracassado na fé, ou possuído pelo demônio da pobreza. Contrariando a teologia da prosperidade e sem medo de ser chamado de incrédulo, declarou que passou fome, sede, frio e nudez, situação em que os crentes da prosperidade não querem nem ouvir falar (2 Co 11.27). Além disso teve a ousadia de dizer que sentia prazer nas fraquezas e nas necessidades, “pois quando estou fraco, então é que sou forte” (2 Co 12.10). Nos dias de hoje, se algum filho da confissão positiva fizer declaração semelhante será aconselhado a fazer uma série de sacrifícios pecuniários e a submeter-se a uma sessão de libertação.
Em substituição à teologia da prosperidade e da ganância não podemos pregar a teologia da pobreza. Mas podemos dizer com segurança que a riqueza não deve ser a meta principal do crente. Devemos buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça (Mt 6.33). Se a riqueza vier, que seja para glória de Deus; se não, estejamos contentes e conformados com o que temos, confiantes em que Deus suprirá nossas necessidades (1 Tm 6.8; cf. Mt 6.25,31,34).

Pontos de contato

Quase todos os desvios doutrinários apresentados no Brasil pelos representantes da teologia da prosperidade são copiados dos gurus norte-americanos. A estratégia do “ponto de contato” (figas, cordões, lenços e lençóis, cajados, água benta, etc) assemelha-se à tática usada por Robert Tilton para aumentar o saldo de sua conta bancária. Vejam sua tática: “Envie-me seu pano verde de oração como meu ponto de contato com você!… Quando eu tocar em seu plano será como se estivesse tocando em você!… Quando você tocar nesse pano, será como pegar minha mão e tocar-me. Quero que a unção que Deus pôs sobre a minha vida, em favor de milagres financeiros e de prosperidade fluam diretamente da minha mão para a sua… Então você reinará na vida como um rei”.
Os falsos mestres da extorsão dizem possuir unção para dar e vender, mais para vender do que para dar. Desejam igualar-se Àquele que disse: “Alguém me tocou; senti que de mim saiu poder” (Lc 8.46).
A idéia é fixar na mente das ovelhas a necessidade de serem ricas, de ajuntarem tesouros aqui na terra, como meio de serem felizes. A felicidade em Cristo, todavia, não advém do ter, mas do ser.
www.palavradaverdade.com
18.8.2004

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