Pensamento de S. Tomás de Aquino (1225-1274)
Summa Theologica, II.Q.XI
“Artigo III. Se os hereges devem ser tolerados
Respondo: Com respeito aos hereges devem ser feitas duas considerações: 1. Do ponto de vista dos hereges; 2. Do ponto de vista da Igreja.
1. Existe o pecado pelo qual merecem não só serem separados da Igreja pela excomunhão, mas também serem retirados do mundo pela morte. Com efeito, é questão muito mais séria corromper a fé, pela qual vem a vida da alma, do que fabricar dinheiro falso, com o qual é sustentada a vida corporal. Por conseguinte, se os fabricantes de dinheiro falso e outros malfeitores são justamente castigados com a morte pelos príncipes seculares, com muito maior justiça podem os hereges ser castigados com a morte imediatamente após o veredicto, e não somente excomungados.
2. Mas do lado da Igreja está a misericórdia, tendo em vista a conversão dos que estão no erro. Por isto, a Igreja não condena diretamente, mas só depois de uma primeira e segunda exortação, como ensina o apóstolo [Tito 3, 10]. Depois disto, se ainda continua obstinado no erro, a Igreja abandona a esperança de sua conversão e começa a pensar na segurança dos outros, separando-o da Igreja pela sentença da excomunhão; além disto, entrega-o ao tribunal secular para que seja exterminado pela morte…
Artigo IV. Se aqueles que voltam da heresia devem ser recebidos de novo pela Igreja
Respondo: A Igreja, de acordo com a instituição do Senhor, estende seu amor a todos, não somente a amigos, mas também a inimigos que a perseguem [Mateus 5, 44]. Ora, uma parte essencial do amor é desejar o bem de seu próximo e trabalhar para esse fim. Mas o bem é duplo: existe um bem espiritual – a salvação da alma – que é o principal objeto do amor, pois é isto que alguém deve desejar por amor a outrem. Portanto, no que concerne a esse amor, os hereges que voltam, por mais vezes que tenham decaído, são recebidos pela Igreja para a penitência, por meio da qual está aberto para eles o caminho da salvação.
O segundo bem é aquele que é objeto secundário do amor, isto é, o bem temporal, tais como a vida do corpo, a propriedade terrena, a boa reputação, a posição eclesiástica ou secular. Esse bem não somos obrigados a desejar por amor aos outros, a não ser com relação à eterna salvação deles e dos outros. Por conseguinte, se a existência de tal bem num indivíduo é capaz de impedir a eterna salvação de muitos, não somos obrigados por amor a querer esse bem para aquele indivíduo; antes, devemos querer que seja privado dele, pois a eterna salvação deve ser preferida aos bens temporais. Além disto, o bem de muitos deve ser preferido ao bem de um.
Todavia, se os hereges que retornam sempre são recebidos de modo a serem conservados na posse da vida ou dos outros bens temporais, isto pode ser prejudicial à salvação dos outros, pois infeccionariam a outros se decaíssem; e também se escapassem do castigo outros se sentiriam mais seguros em cair em heresia… Por isto, no caso dos que voltam pela primeira vez, a Igreja não só os recebe para penitência, mas preserva também suas vidas e algumas vezes por concessão os restitui às suas primitivas posições eclesiásticas, se demonstram estar verdadeiramente convertidos. Mas, se depois de terem sido recebidos, de novo decaem… são admitidos à penitência se voltam, mas não são libertados da pena de morte…”
(BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 2001, pp. 218-220.)
Nota: S. Tomás de Aquino é considerado o mais importante teólogo católico de todos os tempos.