Jorge Eduardo Antunes
Editor-Chefe
A revista Veja que chegou às bancas domingo passado trouxe duas defesas da legalização do aborto. Uma é do jornalista André Petry, que em seu artigo semanal insinua que se Elisabete Cordeiro dos Santos — que jogou a filha recém-nascida num ribeirão nos fundos de casa, provocando sua morte — pudesse abortar legalmente, não seria hoje uma criminosa. Outra voz que se levanta é a de Edir Macedo, dono da Rede Record e líder da Igreja Universal do Reino de Deus, que pediu ao vice-presidente da emissora, Honorilton Gonçalves, para que “conscientizássemos a sociedade da importância de a mulher poder decidir sobre o seu próprio destino”.
Não sei o que mais me choca nestas duas posições, se o simplismo das idéias ou se o fato de uma delas ser de um líder religioso e supostamente cristão (“amar a Deus sobre todas as coisas, e a teu próximo como a ti mesmo”, dizia Jesus Cristo — e nada mais próximo que um filho no ventre). Será mesmo que pessoas lúcidas e esclarecidas como o bispo Edir Macedo, André Petry e o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, outro defensor da causa, acreditam que a simples legalização vai resolver o problema? Não creio.
Pensemos, juntos, leitor, na possibilidade da legalização do aborto. Onde eles serão feitos? Os próprios defensores admitem que, hoje, as mulheres mais ricas recorrem a clínicas clandestinas de ponta, não correndo riscos. As pobres servem-se de aborteiros e de preparados e beberagens com as quais arriscam a própria vida. Assim, com o aborto legalizado, não fica difícil crer que a prática passaria a ser feita nos hospitais públicos — ou seja, financiada com o dinheiro do contribuinte.
E é aí que entra a puerilidade dos argumentos pró-aborto. Imagine uma mulher pobre, da periferia, indo ao hospital porque “a regra atrasou dois meses”. Bem, ela entra na fila e pega a senha para a consulta. Que será daqui a um mês. Com três meses de gestação, ela finalmente chega ao médico. Que pede os exames de praxe para certificar-se de que aquele ventre pronunciado é mesmo gravidez. Ela, com o encaminhamento, entra na fila para pegar a senha e fazer o exame, marcado para daqui a 15 dias.
Na data correta, vai ao hospital, mas estão faltando seringas e agulhas. O exame é remarcado para daqui a mais 15 dias. Aos quatro meses, finalmente, ela faz os testes e a gravidez é confirmada. Ela volta, então, ao hospital, para marcar nova consulta com o médico. Pega a senha para daqui a 15 dias. Com quatro meses e meio, sem comer, ela chega ao hospital às 5h30, para ser atendida às 10h. Às 14h, a atendente, de péssimo humor, diz a ela que o médico entrou de férias. Mas, com pena, consegue marcar com outro médico, para daqui a uma semana.
No dia combinado, com quase cinco meses, o novo médico finalmente a examina e marca a curetagem. Para daqui a dois meses – se não houver greve na Saúde, como está previsto. Ela pensa bem e vê que, como terá sete meses de gestação, há dois caminhos: ou desiste e tem o bebê ou apela para a dona Xavantina, uma curandeira e aborteira do bairro, que faz milagres usando agulhas de tricô, chá de cabacinha do norte ou soda cáustica mesmo. Assim, acabará no SUS do mesmo jeito que agora, vítima de um aborto clandestino.
De um jeito ou de outro, legal ou ilegal, as mulheres pobres não escapam do risco. Para elas nada vai mudar.
É um caso a se pensar: em vez de todo esse trabalho para se iludir (ou iludir os outros), por que os defensores do aborto não passam a pregar plataformas mais humanas, como a adoção de um programa de planejamento familiar via rede pública? Por que não defendem a realização de campanhas de adoção de crianças rejeitadas pelas mães ou que sejam filhas de violência sexual (neste caso, o aborto assemelha-se sempre à condenação de morte de um inocente)?
No fim das contas, a posição dos pró-aborto pode ser resumida na frase do filósofo e jornalista Paulo Pestana: “Jabuti não sobe em árvore; se ele está nela, alguém o colocou lá em cima”.
Fonte: Jornal de Brasília
Divulgação: www.juliosevero.com