Simples, sem ser vulgar. Esta é a norma usada por jornalistas que diariamente lidam com a palavra escrita.
Nada impede que esse princípio seja usado na pregação evangélica escrita ou oral. Às vezes encontramos oradores que se regozijam em usar palavras difíceis. Conheci um irmão que procurava incluir em sua pregação as mais difíceis, tipo “soberbia” (“Qualidade de soberbo: orgulho excessivo”). Com isso, desejava transmitir a imagem de um homem bem informado e erudito. Por “palavras difíceis” quero dizer as de uso não corrente, estranhas ao vocabulário médio da população. Um exemplo na Bíblia de uma palavra desse tipo é “concupiscência” (“cobiça; apetite sexual excessivo” – Dic. Aurélio).
Dependendo dos ouvintes, faço logo a tradução. Ao ler a Bíblia, já vou explicando o significado de determinadas expressões. Em certa igreja, encontrei um caso curioso: uma irmã estava sempre de posse de um dicionário para traduzir as palavras do jovem pregador, tão grande era o número de palavras difíceis por ele usadas. Em determinada ocasião ela interrompeu a pregação e traduziu para a igreja a palavra dita pelo orador. Muito estranho! Uma pregação desse tipo, além de causar certo mal estar nos ouvintes, é de pouca valia para a edificação da igreja. A mensagem se perde porque os ouvintes perdem o interesse. Eles reconhecem que estão diante de um hieróglifo impenetrável. Uma muralha se levanta entre o pregador e o auditório. Ora, uma das qualidades da mensagem é que seja compreendida com a maior facilidade possível. Ela começa a ser eficaz (“que produz o efeito desejado”) a partir do momento em que é compreendida; a eficácia se completa com a sua aplicação no quotidiano.
Outra situação similar ocorre quando o orador usa de determinadas imagens alheias ao conhecimento dos ouvintes. Na minha igreja, um meio rural, certo pregador pediu que os desempregados trouxessem no dia seguinte suas Carteiras de Trabalho para serem abençoadas. Depois da pregação, expliquei ao jovem e entusiasta irmão que seria difícil encontrar um empregado naquele meio com obrigações trabalhistas oficializadas. Em outro momento, ele perguntou: – Vocês sabem quem foi Henry Ford? Tenho a impressão que algum irmão deve ter pensado: – Será o nome de algum anjo?
Para ilustrar seus sermões, Jesus, o Mestre da comunicação e da sensibilidade, usava imagens conhecidas: a rede de pescar, os lírios dos campos, as aves do céu, a videira.
Às vezes as palavras complicadas viram moda e, pelo uso corrente, ficam “descomplicalizadas”. É o caso de “descatracalização” usada pela primeira vez no último vestibular da Fuvest – Fundação Universitária para o Vestibular. Foi exigida dos vestibulandos uma dissertação em torno do “Programa para a Descatracalização da Vida”.
Diz o lingüista Marcos Bagno, doutor em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo, que o significado dessa palavra seria “tirar as travas, deixar as coisas mais livres”. A palavra surgiu a partir da idéia do grupo artístico “Contra Filé”, que instalou uma catraca enferrujada sobre um pedestal no Largo do Arouche, em pleno centro de São Paulo. Esse gesto simbolizava “Movimento de descatracalização da vida”, uma tentativa de protestar contra o controle biopolítico do capital e do governo sobre os cidadãos.
Então, vamos tirar as catracas de nossas mensagens e deixá-las correr livre, simples e bela como uma flor.
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15.01.05