Adoção por casal formado por pessoas do mesmo sexo

ADOÇÃO POR CASAL FORMADO
POR PESSOAS DO MESMO SEXO

Francisco Cid Lira Braga*

RESUMO

Este artigo se propõe a discutir a adoção por casal formado por pessoas do mesmo sexo, fazendo uma ligeira análise histórica da homossexualidade e a realidade da adoção brasileira sobre o prisma social e moral. Busca subsidiar uma discussão equilibrada acerca deste tema polêmico que não pode ser olvidado pela Ciência Jurídica.

Palavras chave: Adoção, homossexualidade, criança/adolescente

* Estudante do Curso de Direito da Faculdade Christus.
Estudante do Curso de Licenciatura Específica em Biologia da Universidade Estadual Vale do Acaraú.
Conselheiro Tutelar de Itapajé/CE
[email protected]
ADOÇÃO POR CASAL FORMADO POR PESSOAS DO MESMO SEXO

Introdução

“Com homem não te deitarás como se fosse mulher; é abominação” e “Se também um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles”. (Levítico 18:22 e 20:13 da Bíblia Sagrada). Como somos um país de tradição cristã é fundamental analisarmos o que a Bíblia diz a respeito da homossexualidade para compreendermos o que norteia certos posicionamentos e pode orientar determinados parâmetros acerca do assunto.
A homossexualidade é um fenômeno histórico. Não há dúvida de que a homossexualidade sempre existiu na história da humanidade, mesmo entre os povos selvagens, assim como nas antigas civilizações, como os romanos, egípcios, gregos e assírios. A legislação dos séculos XII e XIII prescrevia pena de morte para os que fossem inclinados à prática homossexual, sendo que, com o advento da Santa Inquisição, por Gregório IX, em 1231, a situação de tais pessoas tornou-se ainda mais terrível. Muito já mudou, embora em alguns países, como Grécia e Irlanda, a homossexualidade ainda seja ilícito penal.
Se a pessoa nasceu com predisposição ou se é livre escolha, é um grande mistério para a medicina e para a psicanálise, e não se chegou ainda a consenso. E este não é objeto de estudo deste trabalho. Uma certeza, porém, tem-se, os homossexuais estão conquistando maior visibilidade pela sociedade e, atualmente, lutam por reconhecimento e mais garantias legais.
Já não dá mais para fingir que não vemos, atualmente existe uma grande quantidade de pessoas do mesmo sexo convivendo maritalmente e querem também poder adotar. Entretanto, não existe legislação regulando esta possível instituição sendo para isso utilizado o artigo 4° da LICC “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

1. A Sexualidade e o Direito

A ciência jurídica deve possibilitar uma reflexão viva, atual, dinâmica e preparada não somente para resolver conflitos e regular conduta, mas, sobretudo para nos levar a compreensão e práxis da justiça.
O Direito é uma construção humana, Ubi societas, ibi jus. Devido a inexistência de neutralidade científica, especialmente nas ciências sociais, a luta pela construção do direito à sexualidade frente a construção jurídica enfrenta um grande entrave e é um assunto pouco discutido. É como se a sexualidade fosse um tema alheio ao Direito, percebemos isso na grande dificuldade que se tem nos processos que envolvem estupro, abuso sexual, violência contra a mulher, violência contra homossexuais. Esses fatores são evidenciados à luz do preconceito dos profissionais da área jurídica, da ausência de políticas públicas voltadas para a conscientização, engendradas pela discriminação histórica arraigadas na sociedade.
O fato sexual, como observa Jean-Paul Branlard, “não ultrapassou, no estudo do Direito, o estágio de um sobrevôo rápido; não se lhe consagrou toda a importância que ele merece”.

2. A homossexualidade e a Sociedade

A prática homossexual era considerada normal em Roma, o homossexualidade passivo desonrava os romanos, que eram educados para ser ativo, serem senhores. A posição passiva era reservada para os escravos e para as mulheres, para os quais, aliás, era um dever. A História registra que dos quinze primeiros imperadores de Roma, só Cláudio era exclusivamente heterossexual. Mas foi o imperador Júlio César que ganhou a fama, só sendo tolerado pela posição que ocupava e por suas conquistas bélicas. Dele diz-se que “era homem de todas as mulheres e mulher de todos os homens”.
Com o avanço da globalização e do fenômeno multiculturalismo, hoje temas que eram tidos como tabu ganharam uma conotação mais liberal o que tem dificultado a manutenção de uma moral mais conservadora.
Religião e moral estão intrinsecamente relacionados e servem de pano de fundo para compreensão da vida social. Tanto os cristãos como os judeus e mulçumanos, entre outros, pressupõem a geração de filhos como uma aliança afetiva e heterossexual, sendo inaceitável a concepção homossexual.

A luta dos homossexuais começou de maneira mais expressiva a partir da revolta de Stonewall nos Estados Unidos, em 1969. No Brasil, o movimento homossexual começou com a abertura política e o fim do regime militar, no fim da década de 70. Movimentos, como as paradas gays, que têm albergado uma grande quantidade de simpatizantes associados à grande divulgação da mídia, como as novelas da Rede Globo, que mostram casais homossexuais em cenas pouco comuns, contribui para que, aos poucos, seja criado um senso coletivo de aceitação dessa prática.

3. Adoção e realidade brasileira

A adoção, antes de tudo, é um ato de amor e consiste na atribuição, por sentença, de dar condição de filho a alguém ( arts. 41 do ECA e 1.626, parágrafo único, do CC).
A doutrina e a jurisprudência tendem a conciliar que o microssistema criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente deve disciplinar as relações jurídicas entre o mundo infanto-juvenil e o mundo adulto, pois, construído sobre a doutrina da proteção integral, o ECA exige obediência estrita à condição peculiar e seus destinatários, pessoas em processo de desenvolvimento, e à garantia da prioridade absoluta.A adoção de crianças e adolescentes continua sendo regida pelo ECA, com alterações parciais produzidas pela vigência do CC.O primeiro dos efeitos da adoção é a atribuição da condição de filho ao adotado, é efeito da sentença transitada em julgado a irrevogabilidade da adoção (arts. 48 e 49 ECA).
A competência da autoridade judiciária, para conhecer de pedidos de adoção, resguarda os direitos e interesses das crianças e adolescentes, inclusive nos casos em que há o consentimento dos pais (art. 45 ECA), isso ocorre porque a experiência tem demonstrado que nem sempre as famílias adotivas que os pais biológicos indicam são as que realmente são mais adequadas para os adotados, daí a necessidade fundamental da adoção judicial.
Devido à situação brasileira, que apresenta grandes disparidades sociais o tema adoção tem uma importância significativa, pois cresce a cada dia o número de crianças abandonadas. As situações são as mais diversas: mães, jovens adolescentes, que foram abandonadas pelos companheiros e não têm o apoio dos pais, menores recém saídos da primeira infância deixaram seus lares para fugir de maus tratos, preferindo a violência das ruas à crueldade dos pais.
Existem milhares de crianças e jovens brasileiros nos orfanatos e nas ruas que pairam nesta estratosfera sem ter esperança de um futuro promissor, aguardando, solitariamente, um gesto de amor, um laço afetivo, um vínculo familiar que se concretiza na adoção.

4. Argumentos favoráveis

Doutrinadores, juizes, advogados, militantes e estudantes de Direito em geral se dividem entre os que são favoráveis e os que são contrários à adoção por casais homossexuais. Uma das mais conhecidas nesse debate é a Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Maria Berenice Dias, que segundo ela, a faculdade de adotar é outorgada tanto ao homem como à mulher, bem como a ambos conjunta ou isoladamente e nada tem a ver com a opção de vida de quem quer adotar, bastando que sejam preenchidos os requisitos postos nos arts. 39 e seguintes.
Os defensores desse tipo de adoção utilizam estudos de pesquisadores da Califórnia, que vêm estudando famílias formadas por lésbicas e gays, desde meados de 1970 e concluíram que as crianças com dois pais do mesmo sexo são tão ajustadas quanto as crianças com os pais dos dois sexos. E o judiciário não pode olvidar de prestar tutela jurisdicional a uniões, que, enlaçadas pelo afeto, assume a feição de família.
Questionam o seguinte: É melhor deixar crianças abandonadas nas ruas ou permitir que sejam adotadas por casais homossexuais?

5. Legislação e possibilidade de adoção por casais homossexuais

O Estatuto da Criança e do Adolescente autoriza a adoção por uma única pessoa, não fazendo qualquer restrição quanto a sua orientação sexual. De acordo com o artigo 43 do ECA, a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando, o direito que está em jogo é do adotando. À luz do artigo 1622 CC, só pode fazer a adoção marido e mulher casados, ou em união estável. Portanto, para alguns, casais homossexuais não poderiam ter esse direito, já que a adoção deve imitar a família biológica.

Conclusão

A situação brasileira é caótica, não existe uma política nacional que ofereça reais garantias aos direitos da criança e do adolescente.Os defensores da adoção por casais homossexuais argumentam que, se houver proteção legal, as crianças abandonadas na rua, nos orfanatos, por pais negligentes e pelo Estado terão oportunidade de terem uma vida mais digna.
Não se pode ser sectarista, pois já se sabe o que isso provocou na humanidade. Todavia, será que é o momento para se tomar uma decisão favorável a essa questão, se estudos das conseqüências psicossociais ainda são embrionários?
Algumas jurisprudências têm dado parecer favorável a essa questão. Entretanto, alguns questionamentos ainda pairam. Quais os problemas de preconceito, condenação e represália por parte de terceiros? Será que esta criança compreenderia esta relação homoafetiva? Isso não influenciaria em sua orientação sexual? A sociedade que rejeita essa situação não discriminaria esta criança? Isso afetará significativamente as finalidades da adoção.
A adoção é uma instituição jurídica muito séria, já que não é apenas um amparo alimentício, mas implica uma formação moral, cultural e espiritual do adotado e influencia futuras gerações. É necessário cautela, pois precisa-se de mais estudos sobre esse assunto para que haja uma proteção legal, especialmente devido aos requisitos subjetivos para adoção elencados no ECA. O tema, por ser polêmico e ensejar inúmeras discussões e controvérsias, precisa ser analisado cuidadosamente.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. Da Adoção por Homossexuais . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 80, 21 set. 2003. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4302
Acesso em: 01 nov. 2006
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001;
DIAS, Maria Berenice. União homossexual – aspectos sociais e jurídicos. In Revista brasileira de direito de família, n.° 4, jan-fev-mar/2000, p. 9.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A sexualidade vista pelos tribunais. 1ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
PINTO, Flavia Ferreira. Adoção por homossexuais . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2669 Acesso em: 01 nov. 2006

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