A Grande Inversão

A grande inversão
Hoje o Brasil acha mais grave desviar dinheiro público que matar pessoas

http://epoca.globo.com/edic/20000731/olavo.htm

Olavo de Carvalho

A Constituição da União Soviética punia o homicídio com dez anos de cadeia e com pena de morte os crimes contra o patrimônio do Estado. Há nisso uma escala de valores e prioridades exatamente inversa àquela consagrada nas grandes tradições religiosas, em que a vida humana é o supremo bem. Para a mentalidade comunista – assim como para o fascismo, que a copiou, apenas enfatizando a luta de nações, em vez da luta de classes –, o Estado é o valor máximo, a realidade primeira da qual deriva, a título de concessão oficial, até mesmo o direito de viver.

Pois bem, sob a inspiração de intelectuais alucinados, a escala de valores da Constituição soviética tornou-se o modelo da atitude brasileira perante a criminalidade: ódio e perseguição implacável aos que desviam dinheiro público, passividade atônita e paternal complacência ante os assassinos e quadrilheiros armados. Quando à primeira suspeita de corrupção um político ou empresário é preso, privado de seus bens e exposto à execração universal antes mesmo de condenado pela Justiça, ao mesmo tempo que homicidas, traficantes e estupradores são desculpados como vítimas da sociedade má, é patente que o critério moral subentendido nesses julgamentos, além de valorizar mais o patrimônio público que a vida humana, enfatiza antes o grupo social do acusado que a natureza de seus crimes: o que importa não é o que você fez, é a classe a que pertence. Em vez da luta contra o crime, temos a luta de classes.

Qual tem sido o resultado efetivo, real, de todo o esforço nacional contra a corrupção e a violência? Contra a corrupção, 11 anos de “campanha pela ética”, de CPIs, de impeachments, de cassações e terror moral custaram aos cofres públicos uma quantia muito superior ao montante das verbas perdidas, sempre sem conseguir recuperar delas senão uma fração ínfima, e nem de longe há sinais de que a prometida restauração da moralidade esteja para acontecer em prazo concebível. Contra a violência, resultados igualmente nulos ou negativos.

No entanto, não se pode dizer que nada mudou. Mudou, sim: nosso senso moral mudou. Hoje exultamos de alegria feroz quando um banqueiro é preso sem julgamento e lamentamos, com lágrimas nos olhos, o destino do pobre assassino e estuprador que foi privado da ajuda financeira de seus amigos importantes.

Como foi possível que, em poucos anos, a hierarquia de valores na alma brasileira se invertesse a esse ponto? Para compreender esse fenômeno, examinem a formação ideológica dos gurus que conduzem a grande transformação, e verificarão que todos eles, sem exceção, tiveram a mentalidade moldada pelas idéias de Karl Marx. Não vou dar nomes porque seria uma lista enorme. Mas o leitor os conhece. Eles estão diariamente nas manchetes, pontificando sobre as causas sociais de todos os males. Pelos frutos os conhecereis: eles não fizeram nada do que prometeram, mas fizeram o que queriam. Não diminuíram em nada a corrupção e a criminalidade, mas levaram o Brasil para mais perto da mentalidade comunista do que jamais esteve. E, se fazemos a pergunta clássica da investigação criminal, Quia bono? (“Quem ganhou com isso?”), a resposta é óbvia: eles mesmos.

Olavo de Carvalho é filósofo

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