A Eutanásia é Imoral e Condenável

A eutanásia é sempre condenável?
SIM

A lição de Terri

FRANCESCO SCAVOLINI

Nestes últimos dias, o caso de Terri Schiavo, a americana que há 15 anos vive em estado vegetativo permanente, despertou o interesse da opinião pública mundial e trouxe de volta o debate sobre a eutanásia. Pessoalmente, estou profundamente convicto de que a dignidade de todo e qualquer ser humano seja o fundamento da verdadeira civilização e deva permanecer sempre intangível, por si só, independentemente do seu “nível” ou “padrão” cultural ou de sua “atividade” psicofísica.
De fato, o ser humano é uma unidade de espírito, alma e corpo que o torna incomparavelmente superior aos seres simplesmente vegetais ou animais; ele possui em si mesmo não somente a “fonte”, o fim e a forma de sua atividade, mas também a unidade das funções do organismo pela qual as várias partes são unificadas, num mesmo ato existencial. Na verdade, o ser humano se caracteriza pela sua própria capacidade congênita e estrutural de expressão nas atividades espirituais e superiores. No indivíduo homem, a atividade “vegetativa” (capacidade de nutrição, crescimento, autopreservação), a atividade sensorial e a atividade espiritual têm uma única origem e um único ato existencial. Em outras palavras, não há, no indivíduo humano, três “almas” (princípios vitais): uma vegetativa, uma sensorial e uma espiritual; mas a “alma” espiritual, que vivifica o organismo todo e o unifica, pois ela é a fonte da própria existência do ser humano.
A própria vida física e sensorial do ser humano é totalmente preenchida pelo ato unificador da alma espiritual, como afirma São Tomás de Aquino: “Anima hominis una est substantia in vegetabili et sensibili et rationali” (A alma do homem consiste em uma única essência, que se revela na forma vegetativa, naquela sensorial e naquela racional).
Esta convicção da antropologia de São Tomás nos permite enfocar corretamente a questão do valor e da dignidade da vida humana, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento (por exemplo, o embrião) ou o grau de sua “perfeição” (por exemplo, deficiências, doenças etc.), pois, da fecundação ao momento em que num indivíduo humano se verifica uma atividade autônoma e coordenada, orgânica e unificada, existe também um “eu”, uma fonte vivificante que anima a corporalidade. O corpo não tem uma existência própria; tem, sim, uma existência comunicada pelo ato existencial do espírito que o unifica e o vivifica.
Essas considerações, embora necessariamente sintéticas, permitem afirmar que uma visão funcionalista e neurológica acerca do ser humano pressupõe e acarreta definitivamente a negação do espírito e revela uma visão materialista do homem. A história moderna e a contemporânea nos mostram as terríveis tragédias que atingiram a humanidade toda vez que algumas filosofias ou ideologias materialistas -com o apoio até de Parlamentos democráticos- erigiram-se a donas absolutas do conceito de humanidade e de seu destino, vide o nazismo.

Sim, como católico e como cidadão, acredito que a eutanásia, isto é, a ação ou a omissão com que se entrega à morte um ser humano inocente com o objetivo de eliminar o sofrimento, é sempre gravemente imoral e condenável. Esta opção contra a vida nasce, às vezes, de situações difíceis, ou mesmo dramáticas, de profundo sofrimento, de solidão, de depressão e de angústia pelo futuro. Portanto essas circunstâncias podem atenuar, até mesmo notavelmente, a responsabilidade subjetiva e, conseqüentemente, a culpabilidade daqueles que realizam tal opção em si mesma criminosa. Contudo o sacrossanto direito a uma morte digna não pode significar o direito de dispor total e absolutamente da vida humana, até porque esse arbítrio contribuiria para difundir na sociedade uma “cultura de morte”.

Na medicina atual, têm adquirido particular importância os denominados “cuidados paliativos”, destinados a tornar o sofrimento mais suportável na fase aguda da doença e assegurar ao paciente um adequado acompanhamento humano. Em algumas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência “renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes” (Vaticano, Declaração sobre a eutanásia “Iura et bona”, 5/5/1980). A vida humana é tão preciosa que “todo cuidado é pouco”.
Tenho certeza de que muitos no Brasil e no mundo inteiro estão torcendo e rezando para que Terri Schiavo volte a ser alimentada e possa continuar a viver. O exemplo de dedicação à vida que senadores e deputados dos EUA têm dado no caso Terri Schiavo, reunindo-se num domingo para votar uma lei que a salvasse, deveria fazer com que todos nós (especialmente os políticos) meditássemos mais sobre a dignidade sagrada da vida humana, dignidade que infelizmente tem sido objeto de ataques vergonhosos, inclusive com a recente aprovação de uma lei que permitirá a destruição de embriões humanos congelados e com a norma técnica do Ministério da Saúde que facilitará o aborto.

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Francesco Scavolini, 49, professor de língua e cultura italiana, é doutor em jurisprudência pela Universidade de Urbino, Itália, e especialista em direito canônico ([email protected]).

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