A Coisificação da Coisa

A Coisificação da Coisa
Pr. Airton Evangelista da Costa

“A gente” não cai de moda: “A gente vai”, “a gente tá pensando”. Pior é: “A gente fomos”. Usar a terceira pessoa do indicativo é muito mais fácil do que a complicada primeira do plural: “Nós estávamos na praia”. Se estivéssemos aqui, não teria acontecido”.
Há algum tempo, “de repente” era a expressão corrente nas entrevistas da televisão e nos colóquios. Talvez, por influência da canção que diz: “De repente eu me vi assim completamente seu…” (Peninha). Vinícius imortalizou o “de repente”, no Soneto de Separação:

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

O linguajar das gentes enriquece mais e mais nossa Língua. De norte a sul, todos se entendem e se comunicam.
De repente, chegou “a coisa”. Aliás, essa coisa chegou e já faz algum tempo. O Aurélio apresenta um extenso significado para essa palavra: o que existe; objeto inanimado; realidade, fato; negócio, interesse; empresa; ocorrência, caso; assunto, matéria; motivo; mistério; troço, perda dos sentidos.
À falta de uma classificação mais adequada para determinada situação, usamos a “coisa”: “Essa coisa de falar mal dos outros”…; “essa filosofia barata é uma coisa prejudicial; “uma coisa é viver bem”; é uma coisa muito interessante”.
Um filme de 1985, com o título “A Coisa”, apresentou a coisa como “Uma misteriosa substância, parecida com iorgute, que começa a brotar da terra, e logo é mundialmente comercializada como alimento. As pessoas passam a ficar viciadas nela”. “A gente” ficou viciada de tal forma na “coisa”, que corremos o alto risco de coisifica-la, isto é, reduzi-la à expressão mais simples, sem nenhum significado. Se tudo é coisa, coisa não é coisa alguma.
A “coisa” não é muito usada nos meios eruditos, no linguajar rebuscado, na intelectualidade. Mas essa coisa veio para ficar. A gente não está nem aí para essa coisa de buscar sempre a expressão exata para cada situação.
Viva a nossa Língua. Ela nos oferece saídas para todos os embaraços. E assim a gente caminha nessa coisa. São expressões populares legítimas de nossa gente brasileira.
30-09-2010

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