Reforma Protestante e Contra-Reforma

Fonte: ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

O CRESCENTE desprestígio da igreja do Ocidente, mais interessada, nos séculos XIV e XV, no próprio enriquecimento material do que na orientação espiritual dos fiéis; a progressiva secularização da vida social, imposta pelo humanismo renascentista; e a ignorância e o relaxamento moral do baixo clero foram os fatores que desencadearam a Reforma e a Contra-Reforma.
Reforma foi o movimento radical registrado na igreja do Ocidente ao longo do século XVI e que, ultrapassando questões disciplinares, deixou à mostra problemas doutrinários de transcendência vital para o cristianismo. As profundas divergências levaram à cisão de algumas igrejas que foram chamadas, de forma global, protestantes. A Contra-Reforma foi tanto a reação da igreja que permaneceu fiel à tradição do papado romano, em oposição ao protestantismo emergente, quanto o movimento reformista no interior da Igreja Católica no decorrer dos séculos XVI e XVII.
Antecedentes da Reforma. Nas últimas décadas da Idade Média, a igreja ocidental viveu um período de decadência que favoreceu o desenvolvimento do grande cisma do Ocidente, registrado entre 1378 e 1417, e que teve entre suas principais causas a transferência da sede papal para a cidade francesa de Avignon e a eleição simultânea de dois e até de três pontífices. O surgimento do “conciliarismo” — doutrina decorrente do cisma, que subordinava a autoridade do papa à comunidade dos fiéis representada pelo concílio — bem como o nepotismo e a imoralidade de alguns pontífices demonstraram a necessidade de uma reforma radical no seio da igreja. Nesse sentido, cabe assinalar o quanto tem de simbólico o fato de que o início da Reforma protestante, com a proclamação das 95 teses de Martinho Lutero em 31 de outubro de 1517, em Wittenberg, Alemanha, tenha sido precipitado pela chegada dos legados papais que anunciavam uma indulgência em troca da doação em dinheiro para a construção da basílica de São Pedro, em Roma.
Por outro lado, já haviam surgido no interior da igreja movimentos reformistas que pregavam uma vida cristã mais consentânea com o Evangelho. No século XIII surgiram as ordens mendicantes, com a figura notável de são Francisco de Assis. Nos séculos XIV e XV destacaram-se como pregadores são Vicente Ferrer, são Bernardino de Siena e são João Capistrano. Além disso, no século XV registrou-se uma renovação da piedade popular, com um acentuado sentimentalismo em torno das dores da paixão de Cristo.
Outros movimentos reformistas surgiram em aberta oposição à hierarquia eclesiástica. No século XII os valdenses, conhecidos como “os pobres de Lyon” ou “os pobres de Cristo”, questionaram a autoridade eclesiástica, o purgatório e as indulgências. Os cátaros ou albigenses defenderam nos séculos XII e XIII um ascetismo exacerbado e caíram no maniqueísmo, considerando a si mesmos os únicos puros e perfeitos. No século XIV, na Inglaterra, John Wycliffe defendeu idéias que seriam reconhecidas pelo movimento protestante, como a posse do mundo por Deus, a secularização dos bens eclesiásticos, o fortalecimento do poder temporal do rei como vigário de Cristo e a negação da presença corpórea de Cristo na eucaristia. As idéias de Wycliffe exerceram influência sobre o reformador tcheco Jan Hus e seus seguidores no território da Boêmia, os hussitas e os taboritas, nos séculos XIV e XV.
Em posição intermediária entre a fidelidade e a crítica à igreja romana situou-se Erasmo de Rotterdam. Seu profundo humanismo, conciliatório e radicalmente oposto à violência, embora não isento de ambigüidade, levou-o a dar passos importantes em direção à Reforma, como a tradução latina do Novo Testamento, afastando-se da versão oficial da Vulgata; ou a sátira contra o papa Júlio II, de 1513. Ante a insistência de Lutero para que se definisse em relação às teses dos reformadores, Erasmo fez a defesa da liberdade humana em seu tratado sobre o livre arbítrio, de 1524, contestado por Lutero em seu tratado sobre o arbítrio escravizado. As ponderadas idéias reformistas de Erasmo não se ligaram a nenhum movimento popular ou político nem foram acolhidas pelos intelectuais, que poderiam tê-las compreendido.
A Reforma protestante. Iniciada por Lutero com seu desafio aos legados papais e à excomunhão, a Reforma protestante não se desenvolveu em uma só direção: foram diversos os grupos que percorreram caminhos paralelos e irreconciliáveis, embora unidos por sua oposição à doutrina e à disciplina da igreja romana e por sua luta política e militar contra o papa ou o imperador.
Martinho Lutero, monge agostiniano, sentiu como uma experiência pessoal, baseada em um texto da epístola de são Paulo aos romanos, que a salvação de Deus se comunicava pela fé e não por meio das obras, que decorrem da natureza humana corrompida pelo pecado original. Dessa concepção fundamental – “só a fé” – deduziu aos poucos, segundo as controvérsias ou as circunstâncias políticas, o conjunto de seu pensamento. A excomunhão por parte de Roma e a proteção que lhe dispensaram alguns príncipes alemães impeliram Lutero à ruptura. A desqualificação da autoridade do papa foi avalizada por outro grande princípio da Reforma — “só a Escritura” — que proclamava a Bíblia, interpretada individualmente à luz do Espírito Santo, como única fonte de autoridade na comunidade cristã. Entretanto, bem depressa Lutero teve que defender a necessidade de uma ortodoxia, de uma igreja e de uma disciplina, pois Thomas Münzer, reformista de idéias revolucionárias e radicais que visava à criação de comunidades sem culto nem sacerdotes, instigou a sublevação dos camponeses alemães, entre 1524 e 1525. Diante da ameaça de sua expansão, a revolta foi dura e sangrentamente reprimida, com a aprovação de Lutero.
Em 1525 o reformador suíço Huldrych Zwingli fundou em Zurique uma teocracia que se estendeu a Berna, Basiléia e Estrasburgo. Sua doutrina teológica radicalizou-se mais que a de Lutero, especialmente ao negar a presença de Cristo na Eucaristia. Sua igreja, excluída da aliança evangélica de Gotha em 1526, só foi readmitida após sua morte, na concórdia de Wittenberg, em 1536. Os anabatistas, assim chamados por defenderem um novo batismo para os adultos, já que crianças não poderiam receber a graça que só se transmite pela fé, eram vinculados às doutrinas de Zwingli, embora, mais revolucionários, exigissem uma observância mais radical dos ensinamentos da Bíblia. No campo social, rechaçaram a violência, proclamaram a separação entre a igreja e o estado e criaram comunidades livres. As repercussões políticas dos novos grupos, que conquistaram adesões maciças em algumas cidades, provocaram a união dos católicos e dos reformadores, que se aliaram para tomar de assalto seu centro na cidade de Münster, castigando severamente seus dirigentes.
João Calvino, teólogo francês, refugiou-se em Basiléia e depois em Genebra devido a suas idéias reformistas. Publicou em 1535 Christianae religionis institutio (Instituições da religião cristã), que se tornou o primeiro catecismo da Reforma. Sua tentativa de unificar os diversos grupos protestantes atraiu importantes seguidores de Zwingli, mas consumou a separação com os luteranos. Sua doutrina sobre a predestinação à salvação e à condenação, a severa disciplina imposta em sua concepção teocrática da cidade-igreja e o governo presbiteral das igrejas constituíram de fato o que se chamou de segunda Reforma.
Na Inglaterra, a mudança da igreja teve uma origem fundamentalmente política, logo aproveitada para uma Reforma religiosa. Henrique VIII, irritado pela negativa do papa Clemente VII em lhe conceder o divórcio, conseguiu em 1531 que o Parlamento inglês aprovasse a subordinação da igreja à coroa. O monarca acentuou sua exigência política em relação à igreja nos anos que se seguiram, até culminar no cisma anglicano em 1534. À separação política seguiu-se uma reforma doutrinária e litúrgica, imposta mediante a perseguição e a pena de morte. A obra mais destacada na fase inglesa da Reforma foi o Common Prayer Book (Livro da prece pública). Na Escócia, predominou o presbiterianismo introduzido por John Knox, que havia participado da Reforma em Genebra junto a Calvino.
Contra-Reforma. A reação oficial da Igreja Católica foi lenta e, a princípio, desarticulada. Carlos V, imperador da Alemanha e rei de Espanha e Nápoles, desempenhou um papel de especial relevo nas conseqüências políticas da Reforma protestante. Sua tradicional rivalidade com a monarquia francesa impediu a aliança entre os dois reinos mais próximos à igreja romana. Não obstante, e apesar das pressões exercidas pelos príncipes da igreja e das enormes dificuldades que cercaram a realização do Concílio de Trento, como reflete a cronologia de suas três etapas (1545-1549, 1551-1552, 1562-1563), a firmeza dos teólogos e dos papas conseguiu, ainda que tardiamente, o resultado esperado: deter a propagação da Reforma protestante, e instaurar, de forma orgânica e oficial, uma Reforma católica.
A primeira fase do concílio, convocada pelo papa Paulo III, reuniu grupos de teólogos, nomeou cardeais dignos, impulsionou as novas ordens religiosas dos teatinos (fundada em 1524 por Gian Pietro Carafa, futuro Paulo IV, e são Caetano de Triana), das ursulinas e da Companhia de Jesus (criada em 1534 por santo Inácio de Loiola), e restabeleceu em 1542 o tribunal da Inquisição, que se converteu em um dos instrumentos mais valiosos da Reforma católica. Júlio III, que subiu ao trono de são Pedro em 1550, continuou com prudência o trabalho de seu antecessor e conseguiu retomar, em 1551, o concílio interrompido.
Paulo IV, que sucedeu a Júlio III, foi um asceta que logrou banir da corte pontifícia o espírito mundano, obrigou os bispos a renunciar a suas múltiplas prebendas e a regressar a suas dioceses; não obstante, sua personalidade inflexível levou-o a uma total intransigência com os mesmos príncipes que poderiam ajudá-lo na pacificação da cristandade e na implantação das reformas. Em compensação, seu sucessor, Pio IV, foi moderado e conciliador e conseguiu implantar a paz entre as potências cristãs e concluir o Concílio de Trento.
O concílio ocupou-se dos grandes problemas do momento, os doutrinários e os disciplinares. Em relação à doutrina, cumpria dar resposta às assertivas dos protestantes e esclarecer o conceito católico de igreja. O conclave afirmou o valor das Sagradas Escrituras, também a importância da tradição eclesiástica como fonte da fé; a liberdade do homem, não destruída pelo pecado original; a justificação pela fé e pelas boas obras; e a revalorização dos sacramentos, em especial os do sacerdócio ministerial, da eucaristia e da confissão. Os direitos disciplinares ocuparam-se da colação de cargos eclesiásticos, da residência dos bispos nas dioceses, dos concílios provinciais e da formação nos seminários.
Entre 1566 e 1590 Pio V, Gregório XIII e Sisto V puseram em prática a Reforma elaborada pelo concílio, não somente com medidas disciplinares, como também, e principalmente, mediante a renovação do ensino, dos seminários e das práticas da vida religiosa. A Contra-Reforma tornou-se realidade e encontrou instrumentos valiosos no trabalho dos teólogos e reformadores da vida monástica, religiosa e secular que floresceram sob o impulso da renovação da Igreja Católica. Entre os teólogos, o jesuíta Roberto Belarmino distinguiu-se por suas críticas às doutrinas reformistas. Entre os reformadores, destacaram-se Pio V e são Carlos Borromeu, que reformaram a cúria romana. Igualmente importante foi a Companhia de Jesus, um dos grandes pilares da Contra-Reforma, com seus teólogos, colégios e missionários.
Como reação à proibição do culto às imagens pela Reforma protestante, a Igreja Católica promoveu o ensino através das imagens. Essa promoção, ao lado do desenvolvimento da piedade popular e da superação das formas cortesãs do Renascimento e de seu estilo artístico mais racional, deu origem, principalmente na Itália e na Espanha, ao chamado estilo barroco.
Os temas da escultura e da pintura barroca são fundamentalmente religiosos, em contraste com os temas mitológicos do Renascimento. Exaltam o triunfo da fé, do pontificado, dos mártires e dos santos. Predominam os momentos patéticos, como os de Gian Lorenzo Bernini, e os místicos, como os de Tintoretto ou os de El Greco.
Na arquitetura, o estilo da Contra-Reforma se denominou “jesuítico”, por seguir o estilo que o arquiteto italiano Giacomo da Vignola imprimiu à igreja de Gesu, de Roma, e por coincidir com a rápida expansão da Companhia de Jesus. A conjunção de arte e teologia foi mais uma evidência de que a mudança da igreja havia chegado ao povo.

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