O Crescimento da Igreja Evangélica

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Evangélicos
2 de julho de 1997
REVISTA VEJA

O que dizia a reportagem de VEJA

Desde a década de 80 cientistas políticos, antropólogos e sociólogos, sem contar padres e freiras, tentam entender um mistério digno das melhores elucubrações de teólogos católicos, de Santo Agostinho a Hans Kung: a conversão pacífica de 8 milhões de brasileiros às mais de 100 denominações evangélicas que existem no país. É um crescimento da ordem de 100%. No mesmo período, a população brasileira aumentou 31%, o que significa que os evangélicos se multiplicaram a uma taxa três vezes maior que a do país. Eles formam hoje um rebanho de 16 milhões de fiéis. Um rebanho ordeiro, trabalhador, que vem galgando a pirâmide social com velocidade assombrosa. O maior país católico agora é também o terceiro maior do mundo em número de protestantes. É um fenômeno que se assemelha aos épicos bíblico-hollywoodianos: milhões de figurantes, novos apóstolos, canastrões, parábolas de sofrimentos abissais antes da conversão; glórias e prazeres indizíveis depois. Esse processo de conquista de almas já foi interpretado como puro fanatismo, exploração de gente humilde por espertalhões, desqualificado por boçal e vítima dos preconceitos mais pitorescos. Na versão mais sofisticada, a crítica atribuiu aos novos fiéis a pecha de fundamentalistas. Nada mais errado. Tantas almas foram ganhas para o “Deus vivo” porque de alguma maneira a religião acabou sendo útil aos convertidos.

O que aconteceu depois

No intervalo de apenas cinco anos entre a publicação da reportagem de VEJA e a realização de um novo censo demográfico no Brasil, o número de protestantes registrou um impressionante aumento de 10 milhões de pessoas – de 16 milhões de fiéis para 26 milhões, ou mais de 15% dos brasileiros. O porcentual era cinco vezes maior que em 1940 e o dobro do de 1980. Em Estados como Rio de Janeiro e Goiás, o índice superava 20% dos habitantes. No Espírito Santo e em Rondônia, os evangélicos passaram de um quarto da população. Esse ritmo indica que metade dos brasileiros poderiam estar convertidos em cinco décadas – um tempo mínimo quando se fala em avanço religioso.
As conseqüências desse crescimento foram muitas. Apenas como sinais das alterações a que esse fenômeno pode levar no perfil das famílias brasileiras, vale citar que os evangélicos, mesmo entre os menos escolarizados, têm menor número de filhos que seus vizinhos de outras religiões. Três quartos das mulheres evangélicas casadas usam contraceptivos. Quase 90% dos adeptos de igrejas evangélicas acreditam que a moral sexual do homem e da mulher deve ser igual, e 65% deles preferem casar-se com algum irmão de fé. Além disso, ao contrário do que acontece com os católicos brasileiros, cuja maior parte nasce dentro da religião mas na maioria dos casos não a segue completamente, os evangélicos levam a prática da fé a sério: em 2002, 80% dos evangélicos diziam participar das cerimônias e das obras sociais com regularidade, quatro vezes mais que no rebanho católico. Ao proliferarem em todas as camadas sociais, os evangélicos produziram mudanças facilmente detectáveis. A mais visível delas aconteceu em público. Os maiores eventos religiosos do país passaram a ser realizados por evangélicos. Um presbiteriano, Anthony Garotinho, foi o terceiro candidato mais votado na eleição para presidente. Sua mulher, Rosinha Matheus, foi eleita no primeiro turno para o governo do Rio. Nos campos de futebol, a imagem de jogadores mostrando camisetas com mensagens cristãs é a parte espetaculosa de uma mudança profunda nos treinos e nas concentrações. Muitos já não participam de brincadeiras machistas envolvendo colegas, não se acabam em noitadas na véspera dos jogos e até evitam xingar os juízes.

A novidade na virada do ano 2000 foi que o modelo de conversão dos evangélicos não se aplicava mais somente aos pobres, mas também cada vez mais a quem tem ou persegue a riqueza. Várias igrejas evangélicas formaram departamentos para atrair gente rica ou famosa. A quantidade de colunáveis convertidos mostra que a estratégia é um sucesso. A ex-modelo Monique Evans, que foi capa de várias revistas masculinas, integrava o quadro da igreja chique Sara Nossa Terra. A igreja Vida Nova, de São Paulo, passou a ser freqüentada por Íris Abravanel, mulher do homem do SBT, Silvio Santos, e por suas quatro filhas. Somando tudo – de CDs a bares e instituições de ensino -, o mercado impulsionado pelos protestantes movimentava 3 bilhões de reais por ano em 2002 e gerava pelo menos 2 milhões de empregos. Na área da mídia eletrônica, já havia um verdadeiro império evangélico país afora – mais de 300 emissoras de rádio, centenas de sites e pastores dando plantão na internet e uma grande máquina televisiva (não por acaso, a Universal, dona da terceira rede de TV do Brasil, a Record, era a igreja que mais recolhia doações acima dos 10% do dízimo convencional).

Na política, os evangélicos são um trator. A bancada evangélica da Câmara Federal, cada vez maior, é unida e atua muito além das barreiras partidárias nas questões relacionadas a costumes ou a interesses da fraternidade crente. Uma das razões para o PL ter sido cortejado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva na formação de sua chapa na eleição é o fato de o partido ter enorme rebanho ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. Há também grande investimento em educação. A média de leitura dos evangélicos brasileiros girava em torno de seis livros por ano em 2002 – o dobro da média nacional. As denominações evangélicas administram quase 1.000 escolas no Brasil, com uma clientela de 740 000 alunos. No tradicional ensino católico, o que se vê é encolhimento. A CNBB divulgou recentemente que 130 escolas católicas de ensino fundamental e médio fecharam as portas nos últimos cinco anos. Paradoxalmente, o que mais mudou no Brasil com o crescimento da legião evangélica foi a Igreja Católica. De um lado, surgiu a Renovação Carismática, para revigorar os aspectos místicos e milagrosos da fé. De outro, os padres-cantores saíram atrás de fiéis e compradores de CDs. Na mídia, a Igreja fincou uma bandeira em tempo recorde, criando a Rede Vida de rádio e TV, que cobre todo o território nacional. Os resultados, porém, estão longe do esperado. Os católicos falam em crise de vocações. Em 2002, havia sete vezes mais pastores protestantes atuando no Brasil que padres, e na maioria das denominações mais recentes esses ministros são formados em apenas alguns meses.

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