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Trabalhando como Multiplicador em Aconselhamento e Prevenção de DST/AIDS no Sistema Prisional Gaúcho, por 22 anos e como evangélico que sou, durante os trabalhos de aconselhamento e evangelização, me deparo com os mais diversos dramas pessoais entre as pessoas assistidas. O depoimento que transcrevo a seguir, foi escrito por um jovem passofundense que, apesar de autorizar a divulgação de seu nome, optei por mantê-lo no anonimato.
Este jovem tinha 25 anos na época, era casado e tinha uma filha com quatro anos de idade. Todos são portadores do vírus da Aids (HIV).
Ele escreveu na prisão o relato abaixo, a mão e, quando me passou, pediu-me para publicá-lo em todos os órgãos de imprensa possíveis, dizendo:
– Se a minha triste experiência conseguir ajudar pelo menos uma vida, acredito que já terá valido a pena.
O dia 1º de dezembro é o Dia Internacional de Combate a Aids. Que este relato consiga o objetivo de seu autor, ou seja, alertar a nossa sociedade, em especial aos jovens e adolescentes, desta doença que muito preocupa os brasileiros e chamada por muitos de “o mal do século”, sobre a qual o apóstolo Paulo referiu-se claramente no primeiro capitulo de sua carta aos Romanos, que está na Bíblia Sagrada. Eis o relato do jovem:
“Este é um depoimento do que aconteceu comigo a quinze anos atrás que talvez não consiga mudar a maneira de pensar de muitos dos jovens de hoje, mas muitos destes terão a oportunidade de refletir antes de começar a fumar cigarros ou tomar um copo de bebida, por serem crianças ainda e pelo que pode vir após o cigarro e a bebida.
Eu tinha 10 anos de idade e cursava a 5ª série, numa escola municipal. Estudava muito e tinha notas boas; logo começou a me chamar a atenção um grupo de jovens que estavam sempre alegres em frente a escola, os quais usavam cabelos compridos e que as meninas falavam deles. Todos queriam participar daquele grupo. Minha mãe me alertava de que eles fumavam maconha. “Não se envolva com eles”, dizia ela. Porém, eu estava muito curioso e olhava aquele grupo de outra forma, pois eu também queria chamar a atenção das meninas e queria participar daquele grupo que eu achava alegre.
Comecei então, a chegar perto deles e logo já me ofereceram maconha e eu entrei, pois estava procurando aquilo. Deixei o cabelo crescer e comecei a ouvir rock. Quando passei para a sexta série, já estava viciado em maconha e fumava todo o dia. Matava muita aula, quase todo dia saia a noite até às 22 horas, sempre com a turma. Minha mãe começou a marcar pressão e eu fazia de tudo para sair com a turma. No final do ano, eu fui reprovado. Ninguém mais podia me segurar e reprovei mais dois anos na 6ª série. Minha mãe então, colocou-me num colégio particular, pensando que e u iria trocar as amizades e conhecer outras pessoas, mas ninguém chegava e me falava as coisas da vida e eu procurei logo as más companhias que fumavam maconha como eu, e usavam drogas injetáveis. Eu tinha 14 anos e quis experimentar as drogas injetáveis, as chamadas “picadas” e me atirei de cabeça e, ao contrário da maconha, não bastava uma só picada, mas eram 10 ou 15 durante o dia.
Logo comecei também a praticar pequenos furtos, pois eu não ganhava uma mesada suficiente para comprar a droga. Comecei também a freqüentar bares noturnos e, com 17 anos, conheci uma jovem viciada como eu, e começamos a conviver juntos, pois minha mãe tinha me mandado embora de casa. Com 18 anos eu já era conhecido da polícia pelas prisões ocorridas na menoridade. Logo fui para a cadeia e fiquei dois meses preso e sai beneficiado com o “sursis”.
Bem, eu estava na rua a quase dois anos, e tinha voltado para aquela vida, de novo. Não sei se pela falta de um acompanhamento adequado ou se pelas amizades. Acabei na cadeia de novo e, com quase 20 anos, tinha muitos inquéritos acumulados na Delegacia, pois prendiam e largavam. Fui então condenado e cumpri 1/6 da pena e sai para o serviço externo. Minha esposa estava grávida e veio então outra condenação. Eu teria que ficar quatro meses fechado, para sair novamente para o serviço externo. Eu me apavorei e fugi, pois eu e minha companheira tínhamos descoberto que estávamos com Aids, devido ao uso das drogas injetáveis, sem nenhum controle das seringas. Usávamos todos a mês seringa e, muitas vezes, até aparelhos sujos e velhos. Fiquei durante três anos fugindo, mas parei de tomar drogas injetáveis, pois minha filha tinha nascido também portadora do vírus da Aids. Quando ela completou 2 anos, teve a primeira baixa hospitalar e ficou trinta dias no hospital. Eu comecei a me picar, de novo, de tal maneira, que não tinha mais o que chegasse. Era de 15 em 15 minutos. Eu tomava uma dose chegava a consumir cocaína até ficar roxo, quase chegando a overdose. Fui preso novamente. Minha mãe não agüentou me ver daquele jeito, foragido e consumindo cocaína como um louco e ela então chamou o Polícia, pois eu estava me matando aos poucos, de tanta droga que consumia.
Enquanto escrevo este, estou preso a seis meses. Estou quase saindo novamente e peço a Deus que me desvie daquele caminho onde eu deixei toda a minha juventude. Preciso me afastar das drogas e cuidar da minha filha, pois ela é a inocente em toda esta história.
Peço que, a quem tiver a oportunidade de conhecer a minha história, de preferência jovens ou adolescentes de 5ª série, como eu fui um dia, pensem bem antes de começar a fumar cigarros e a querer ser como os outros. Vocês têm que serem vocês mesmos. A turma dos cabeludos que eu admirava, era uma ilusão. Só depois que eu percebi que tudo aquilo era o fundo do poço, disfarçado de paraíso.
Você, jovem de hoje, não deixe que sua vida seja jogada fora como um simples papel de bala. Só você pode protegê-la. Se você procura alguma coisa e não encontra, medite no que eu escrevi e evitará o fundo do poço mais tarde”.
Hoje o casal e sua filhinha já não estão mais entre nós e fazem parte das estatísticas das vítimas da AIDS de nosso país.
Ev. GILSON DEFERRARI
Passo Fundo – RS