Cada Crente Possui Um Anjo da Guarda?

HÁ POUCAS SEMANAS, a Igreja Universal do Reino de Deus lançou, através da TV, a campanha de troca do anjo da guarda. Antes de fazermos qualquer análise da validade de tal proposta, examinemos, primeiro, se realmente cada crente possui um anjo protetor. Vejamos os comentários de alguns teólogos:
“1 Rs 19.5: “Um anjo o tocou e lhe disse [a Elias]: Levanta-te e come”; Sl 91.11,12: “Aos seus anjos dará ordem a teu respeito para te guardarem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos para que não tropeces com teu pé em pedra”; Dn 6.22: ´”O meu Deus enviou o seu anjo e fechou a boca dos leões para que não me fizessem dano”; Mt 4.11: “Chegaram os anjos e o serviram”; Mt 18.10: “Não desprezeis algum destes pequeninos porque eu vos digo que os seus anjos nos céus sempre vêem a face de meu Pai”; compare v. 6: – “um destes pequeninos que crêem em mim”; ver Meyer, Comen. In loco, que considera estas passagens como prova da doutrina dos anjos da guarda. Lc 16.22: “O mendigo morreu … e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão”; Hb 1.14: “Não são todos eles espíritos ministradores enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?” Compare At. 12.15: “E diziam: é o seu anjo” – de Pedro que estava batendo à porta. A afirmação “expressa uma crença popular prevalecente entre os judeus de que nem se afirma nem se nega”. “Simplesmente se diz em relação aos crentes como uma classe, que há anjos, que são seus anjos; mas não há nada aqui, ou em outro lugar que mostre que um anjo tenha o encargo pessoal de um crente”… “A intervenção deles é aparentemente ocasional e excepcional – não por opção deles, mas só no que lhes é permitido ou ordenado por Deus. Por isso não devemos conceber os anjos como intermediários entre nós e Deus, nem devemos, sem a revelação especial do fato, atribuir-lhes em qualquer caso particular os efeitos que as Escrituras geralmente atribuem à providência divina. Como os milagres, portanto, as aparições angélicas geralmente marcam a entrada de Deus em novas épocas nos desdobramentos dos planos dele. Por isso lemos sobre os anjos na conclusão da criação (Jó 38.7), na doação da lei (Gl 3.19), no nascimento de Cristo (Lc 2.13), nas duas tentações no deserto e no Getsêmani (Mt 4.11, Lc 22.43); na ressurreição (Mt 28.2), na ascensão (At 1.10), no juízo final (Mt 25.31)”. – Teologia Sistemática, Augustus H. Strong, Vol. I, Editora Teológica, 2002, Cap. IV, Seção IV, p. 662,663).
“Tais são as declarações gerais das Escrituras sobre este tema, e com elas devemos contentar-nos. Sabemos que eles são os mensageiros de Deus; que são agora, como sempre foram, usados na execução de mandatos; contudo, mais que isso, nada é positivamente revelado. Se cada crente individualmente tem um ano guardião, não se declara com alguma clareza na Bíblia. A expressão usada em Mt 18.10, em referência às criancinhas, “cujos anjos” lemos que contemplam a face de Deus no céu, é entendida por muitos como a favorecer tal concepção. O mesmo sucede com a passagem de At 12.7, que menciona o anjo de Pedro (v.5). Mas esta última passagem não prova mais que Pedro tivesse um anjo guardião, que o fato de a criada ter dito que ele era um fantasma prova a superstição popular acerca desta questão. A linguagem registrada não é a de uma pessoa inspirada, mas a de uma serva destituída de instrução, e não pode ser tomada como de autoridade didática. Apenas prova que os judeus daqueles tempos criam em aparições espirituais. A passagem de Mateus tem mais revelância. Ensina que as crianças têm anjos guardiães; ou seja, que os anjos protegem seu bem-estar. Mas não prova que cada criança, ou que cada crente, tem seu anjo guardião pessoal. Em Daniel 10 se faz menção ao Príncipe da Pérsia, o Príncipe da Grécia e, falando aos hebreus, de Miguel, seu Príncipe, em um sentido tal que tem levado a grande maioria dos comentaristas e teólogos de todas as eras da Igreja a adotar a opinião de que a certos anjos foi confiada a supervisão especial de determinados reinos…. Nem no Velho nem no Novo Testamento encontramos indicação de que as nações pagãs tenham ou tiveram um anjo guardião ou um espírito maligno posto sobre elas…. É por certo desaconselhável adotar sobre a autoridade de uma passagem duvidosa, em um único livro da Escritura, uma doutrina destituída do apoio de outras partes da Palavra de Deus… Está claro, à luz do que se ensina em outras partes, que existem certos seres espirituais mais excelsos que os homens, tanto bons quanto maus; que são muitíssimos numerosos; que são muitíssimos poderosos; que têm acesso ao nosso mundo e estão ocupados em suas atividades; que têm diferentes hierarquias e ordens; e que seus nomes e títulos indicam que eles exercem domínio e atuam como governantes. Isso procede no tocante aos anjos maus e aos bons; e, sendo procedente, nada há na opinião de que um anjo particular exerça controle especial sobre uma nação, e outro sobre outra nação, que entre em conflito com a analogia da Escritura” (Teologia Sistemática, Charles Hodge, Hagnos, 2001, cap. XIII, p.476/7).
“A idéia de que cada crente ou Igreja tem seu anjo da guarda é questionável. Para alguns, o pensamento parece não ter suficiente base nas Escrituras. Uma passagem muito usada é Mateus 18.10, mas ela é muito geral para provar este ponto, embora pareça indicar que há um grupo de anjos particularmente encarregados de cuidar das criancinhas. Atos 12.15 também não está provando que haja um anjo da guarda, mas apenas indica que naquele tempo discípulos acreditavam em tais anjos. No Novo Testamento, a ênfase é que o crente tem o Espírito Santo habitando nele e o próprio Senhor Jesus está com ele “todos os dias”. Nossa relação com Deus é mais direta agora do que antes da vinda de Cristo e do derramamento do Espírito Santo (Hb 10.19-22). Portanto, somos ensinados a buscar a presença e proteção do próprio Filho de Deus, e Ele, se desejar, poderá servir-se de anjos para nos abençoar (Hb 1.14) (Manuel de Teologia Sistemática, Zacarias de Aguiar Severa, AD.Santos, 1999, cap 6-II, pp. 157/8).
Observemos que os anjos são enviados por Deus (Anjo, hebraico: malak; grego: angelus = mensageiro, enviado) para determinadas missões: Dn 6.22: “O meu Deus enviou o seu anjo”; 1 Rs 19.5: “um anjo o tocou e lhe disse…”; Lc 1.26: “No sexto mês foi o anjo Gabriel enviado por Deus… a uma virgem… Maria”. Se essas pessoas tementes a Deus tivessem cada uma seus respectivos anjos guardiães, seria dispensável o envio de outro anjo para socorrê-las ou transmitir mensagens. O próprio anjo da guarda, também mensageiro, também poderoso, se encarregaria da missão. Deus pode colocar um anjo protetor ao lado de determinado crente? Pode, mas a Palavra, própria para nossa orientação e ensino, não dá apoio à idéia de um anjo permanente para cada crente.
Agora, examinemos a seguinte hipótese. Se cada crente tivesse um anjo da guarda designado por Deus, rejeitar esse anjo protetor e desejar substituí-lo por outro seria um ato de desconfiança nos emissários do Senhor, e um ato de rebeldia contra Deus. Por acaso Deus, agindo de forma irresponsável, enviaria um anjo que não tivesse plenas condições de cumprir sua missão? Admitida a possibilidade de haver anjos ineficazes e preguiçosos, caberia ao crente “propor”, “exigir”, “rogar” a sua substituição? Todos os atributos da Divindade (onipresença, onisciência, onipotência, imutabilidade, eternidade) seriam incapazes de detectar a incapacidade ou fraqueza de determinado anjo guardião? Seríamos nós que deveríamos apontar defeitos nos exércitos celestiais que estão a serviço de Deus? Uma vez aceita a substituição, tal anjo não serviria para mais nada? Deus iria castigar seus anjos mediante o juízo e o entendimento de miseráveis pecadores? Qual a doutrina ou texto bíblico, mesmo que seja isolado, em que a Igreja Universal se baseou para propor a cada cristão brasileiro a mudança de seu anjo da guarda? É possível imaginar que uma Igreja do tamanho da Universal, com dezenas de milhares de seguidores, possa lançar um ensino a milhões de brasileiros (pela TV todos foram convidados, inclusive o autor deste trabalho) sem que, previamente, seus teólogos tenham examinado a questão à luz das Santas Escrituras? Recuso-me a imaginar, embora pelas evidências incline-me a fazê-lo, que essa denominação tenha lançado uma campanha, através da qual são veiculadas mensagens bíblicas para fortalecimento espiritual do rebanho, sem que essas mensagens sejam passadas na peneira da Bíblia Sagrada.
A verdade é que muitos irmãos estão meditando sobre essa questão. Primeiro, perguntam se de fato cada um possui um anjo da guarda. Segundo, se, em caso afirmativo, seria correto desejar a sua substituição. Vejamos o que diz o Dicionário Teológico, Claudionor Corrêa de Andrade:
“Cada servo de Deus possui, segundo alguns segmentos do Cristianismo, um anjo especialmente designado para guarda-lo e servi-lo. Os que defendem tal posicionamento citam as seguintes passagens: Mateus 18.10 e Atos 12.15. Todavia, se ambos os versículos forem devidamente analisados, chegaremos à conclusão que, a bem da verdade, não há o que se convencionou chamar “anjo da guarda”.
“De conformidade com tal ensinamento, o “anjo da guarda” fica permanentemente ao nosso lado; de nossa volta não arreda pé, nem aceita outra missão. Mas não é isto o que vemos, por exemplo, na segunda passagem citada. Em Atos 12.10, observamos que, tão logo o anjo coloca Pedro em segurança, aparta-se do apóstolo. O texto é mais do que claro: “… e logo adiante o anjo apartou-se dele”. Vê-se, por conseguinte, que o agente celestial permaneceu ao lado de Pedro apenas o tempo suficiente para livrá-lo do cárcere”.
“Mais adiante, está registrada uma observação que, a rigor, não pode ser emprestada para fortalecer quaisquer pontos doutrinais por representar apenas o registro de uma crença oriunda do rico folclore judaico. Quando Pedro bateu à porta da casa onde os irmãos estavam reunidos, ficaram tão atônitos que disseram: “É o seu anjo”, por não haverem acreditado estar o apóstolo já livre da prisão”.
“Como se sabe, embora toda a Bíblia seja inspirada por Deus, nem tudo o que nela se encontra foi dado pelo sopro de Deus. As palavras de Herodes, por exemplo, não foram inspiradas por Deus, e, sim, o registro delas. Eis porque não devemos fundamentar doutrina e ensinos em passagens isoladas. Toda e qualquer verdade somente deve ser aceita como dogma desde que repouse sobre o fundamento dos profetas e apóstolos”.
“Quanto à outra passagem citada, também não deve servir de pretexto para alicerçar o ensinamento do anjo da guarda. Prestemos atenção a estas palavras do Senhor Jesus: “Vede, não desprezeis a qualquer destes pequeninos; porque eu vos afirmo que os seus anjos nos céus vêem incessantemente a face de meu Pai celeste” (Mt 18.10). Não disse Jesus que os anjos ficavam constantemente ao redor dos pequeninos, mas que viam constantemente a face do Pai. O que podemos depreender desta declaração? Primordialmente, que os anjos tão logo cumpriam sua missão na custódia das crianças, voltavam a Deus; em seguida, retornavam à Terra para desempenhar outras tarefas semelhantes. Na expressão “seus anjos”, entendemos que há determinadas guarnições de agentes celestiais especialmente designadas para cuidar das crianças”.
“Encerrando este tópico, como se há de interpretar o Sl 34.7? Inspirado pelo Espírito Santo, garantiu Davi: “O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra”. Nesta declaração, extraímos esta paráfrase: “O anjo do Senhor monta acampamento para estar sempre pronto a socorrer os que temem a Deus”. Conforta-nos, pois, saber que há um grande exército de seres angelicais prestes a intervir em nosso favor”.
O entendimento de que cada crente possui um anjo particular parece ter surgido primeiramente no seio da Igreja Católica. Vejamos o que ensina em seu Catecismo:
“Do mesmo modo, a vida da Igreja se beneficia da ajuda misteriosa dos anjos. Em sua Liturgia, a Igreja se associa aos anjos para adorar o Deus três vezes Santo; ela invoca a sua assistência. Além disso, festeja mais particularmente a memória de certos anjos (S. Miguel, S. Gabriel, S. Rafael, os anjos da guarda). Desde o início (Mt 18.10) até a morte (Lc 16.22), a vida humana é cercada por sua proteção (Sl 34.8; 91.10-13) e por sua intercessão (Jó 33.23-24; Zc 1.12; Tb 12.12). Cada fiel é ladeado por um anjo como protetor e pastor para conduzi-lo à vida (S. Basílio, Ad. Eunomium 3.1). Ainda aqui na terra, a vida cristã participa na fé da sociedade bem-aventurada dos anjos e dos homens, unidos a Deus” (Catecismo da Igreja Católica, questões 334 a 336).

Entendo que a ICAR ensina o culto aos anjos (“festeja mais particularmente a memória… [deles]”. Segundo o Dicionário Aurélio, festejar significa “fazer festa a, ou em honra de. Comemorar, celebrar”; Culto: “Adoração ou homenagem à divindade em qualquer de suas formas e em qualquer religião. Modo de exteriorizar o culto; ritual; veneração, preito”. Sabemos que na prática os festejos em honra aos santos são uma verdadeira adoração. Jesus disse que somente Deus deve ser adorado (Mt 4.10). A Igreja Católica aponta os Salmos 34.8 (34.7 em nossas versões) e 91.10-13, Mateus 18.10 e Lucas 16.22 para justificar a doutrina do “anjo da guarda”. Se analisarmos com a devida atenção, verificaremos que esses versículos não apóiam de forma concreta a existência de um anjo destinado a cada cristão, individualmente. Com relação aos anjos protetores das crianças, Mateus 18.10 fala que “os seus anjos nos céus”. Se estão “nos céus”, não estão ao lado de cada criança. Lucas 16.22 diz que “o mendigo foi levado pelos anjos para o seio de Abraão”. Não diz que foi levado por seu anjo da guarda. Ora, o mendigo poderia muito bem ter sido levado por seu anjo guardião. Leiam isto:
“Ninguém vos prive do prêmio, afetando humildade ou culto aos anjos,baseando-se em visões, enfatuado sem motivo algum na sua mente carnal” (Cl 2.18). A Nova Versão Internacional registra: ‘Não permitam que ninguém que tenha prazer numa falsa humildade e na adoração de anjos os impeça de alcançar o prêmio. Tal pessoa conta detalhadamente suas visões, e sua mente carnal a torna orgulhosa”.
“Os falsos mestres ensinavam que era preciso reverenciar e adorar os anjos, como mediadores, para ter comunhão com Deus. Para Paulo, invocar os anjos seria substituir Jesus Cristo como cabeça auto-suficiente da igreja (v. Cl 2.19). Hoje, a crença de que Jesus Cristo não é o único intermediário entre Deus e o homem é posta em prática na adoração e oração a santos mortos, como padroeiros e mediadores. Essa prática despoja Cristo de sua supremacia e centralidade no plano redentor de Deus. Adorar e orar a qualquer pessoa que não seja Deus Pai, Deus Filho ou Deus Espírito Santo são práticas antibíblicas, e por isso devem ser rejeitadas” (Comentários da Bíblia de Estudo Pentecostal).

Portanto, muito cuidado deve ser dispensado na formulação de doutrinas que possam induzir os fiéis a se comunicar com os anjos, ou a buscar a sua proteção. A infeliz proposta de “trocar de anjo da guarda”, embora restrita a um pequeno grupo, poderá suscitar nas ovelhas – e creio que assim acontece – o desejo de prestar culto aos anjos. A advertência está dada: “Trata-se de alguém [aquele que tem prazer na adoração de anjos] que não está unido à Cabeça, a partir da qual todo o corpo, sustentado e unido por seus ligamentos e juntas, efetua o crescimento dado por Deus” (Cl 2.19-NVI).
www.palavradaverdade.com
08.10.2004

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