A Igreja Católica e os Dez Mandamentos

Há um descompasso entre os Dez Mandamentos transcritos na Bíblia e os relacionados no Catecismo da Igreja Católica (C.I.C.), 9a edição, Editora Vozes, 1998. O Decálogo no C.I.C. está assim redigido (itens 2083-2550):

Primeiro – “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo, na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás” (Ex 20.2-5) (o grifo é meu).
Segundo – “Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão” (v.7).
Terceiro – “Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo. trabalharás durante seis dias e farás todas as tuas obras. O sétimo dia, porém, é o sábado do Senhor, teu Deus. Não farás nenhum trabalho” (vv. 8-10).
Quarto – “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá” (v.12).
Quinto – “Não matarás” (v.13).
Sexto – “Não cometerás adultério”(v.14).
Sétimo – “Não roubarás” (v.15).
Oitavo – “Não apresentarás falso testemunho contra o teu próximo” (v.16).
Nono – “Não cobiçarás a casa de teu próximo, não desejarás sua mulher, nem seu servo, nem sua serva, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que pertença a teu próximo (v.17).
Décimo – “Não cobiçarás… coisa alguma que pertença a teu próximo” (v.17).

Observem que o primeiro e o segundo mandamentos foram arrolados num só, e o décimo foi dividido em dois. Vejam como estão o primeiro, o segundo e o décimo mandamentos na Bíblia (Almeida Revista e Corrigida):

Primeiro – “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3; Dt 5.7).
Segundo – “Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás”. (Êx 20.4-5; Dt 5.8-9).
Décimo – “Não cobiçarás a casa do teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo” (Êx 20.17; Dt 5.21).

Não há razão para dividirmos em dois o mandamento de Êxodo 20.17, que trata da cobiça. Trata-se de um só enunciado, uma proibição específica de não cobiçar pessoas, animais e objetos, e está expresso num único e reduzido versículo. O nono e o décimo mandamentos são iguais no Catecismo por uma razão simples: como o primeiro e o segundo foram unificados, ficou faltando um, o décimo. A solução foi criar dois mandamentos iguais. O Vaticano assim explica:

“A divisão e a numeração dos mandamentos têm variado no decorrer da história. O presente catecismo segue a divisão dos mandamentos estabelecida por Sto. Agostinho e que se tornou tradicional na Igreja Católica. É também a das confissões luteranas. Os padres gregos fizeram uma divisão um tanto diferente, que se encontra nas igrejas ortodoxas e nas comunidades reformadas” (C.I.C. pg. 545, item 2066).

Vejamos o primeiro mandamento na Bíblia “católica”, Edição Ecumênica, tradução do padre Antônio Pereira de Figueiredo, com notas do Mons. José Alberto L. de Castro Pinto:

“Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei do Egito, da casa da servidão. Não terás deuses estrangeiros diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura, nem figura alguma de tudo o que há em cima no céu, e do que há em baixo na terra, nem de coisa, que haja nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhe darás culto” (Êx 20.2-5).

Vejam que aí está: “Não as adorarás, nem lhe darás culto”, referindo-se às imagens e não aos ídolos. Convém esclarecer que na bíblia os mandamentos não estão numerados, mas pelo enunciado é possível sabermos qual é o primeiro, qual o segundo, e assim por diante. Na Bíblia “católica” acima referida, também não estão numerados. Quis apenas realçar a expressão “não as adorarás”. O cerne da questão está no segundo mandamento. Incorporado o segundo mandamento ao primeiro, fortalece-se a idéia de que as imagens proibidas seriam, somente, dos deuses antigos. Daí porque o Catecismo diz: “Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás”.

É preciso notar que o versículo 4 refere-se especificamente a IMAGENS, e não a deuses. O versículo 5 (“não te encurvarás/inclinarás a elas nem as servirás”) encontra-se afastado do versículo 3 (“não terás outros deuses diante de mim”). Os “deuses”, portanto, não são o objeto da proibição do verso 4 e começo do verso 5. Por isso, entendo que as versões que se reportam às imagens, e não aos deuses, (“não as adorarás, não as servirás, não lhes darás culto”) são as mais corretas.

Aprouve a Deus destinar um mandamento só para referir-se às imagens, ídolos ou estátuas, objeto de adoração, veneração, culto, honra, homenagens. Assim, Deus descreveu quais as imagens que não deveriam ser objeto de culto. Deus exemplificou para não haver dúvida.

ANÁLISE DE ÊXODO 20.4

“Não farás para ti” – Entende-se a posse do objeto destinado ao culto, à homenagem, à prece, à veneração. Deus não condena as obras de arte, escultura ou pintura de valor histórico e cultural.

“Nem alguma semelhança do que há em cima nos céus” – Não encontramos diferenças relevantes de tradução nas versões consultadas. A proibição não alcança apenas as imagens dos deuses, mas diz respeito, também, ao que existe nos céus: A Trindade (Pai, Filho, Espírito Santo), os anjos e os salvos em Cristo. Logo, estátuas de Jesus, dos santos apóstolos, de Maria, e de quantos, pelo nosso julgamento, estejam no céu, não devem ser objeto de culto.

“Não te encurvarás a elas” – Deus proíbe qualquer atitude de reverência ou respeito, tais como inclinar respeitosamente o corpo ou ajoelhar-se diante das imagens; prostrar-se com o rosto no chão; tocá-las; beijá-las; levantar os braços em atitude de adoração; tirar o chapéu; ficar em pé diante delas em estado contemplativo. Enfim, Deus proíbe o culto às imagens.

“Não as servirás”- Não servi-las com flores, velas, cânticos, coroas, festas, procissões, lágrimas, alegria, rezas, vigílias, doações, homenagens, devoção, sacrifícios, incenso. Não lhes devotar fé, confiança, zelo, amor, cuidados. Não alimentar expectativas de receber delas amparo, curas e proteção. Não colocá-las em lugar de destaque, em redoma ou em lugares altos.

A Igreja de Roma reconhece a proibição, mas decide por não acatá-la, como adiante:

“O mandamento divino incluía a proibição de toda representação de Deus por mão do homem. O Deuteronômio explica: “Uma vez que nenhuma forma vistes no dia em que o Senhor vos falou no Horebe, do meio do fogo, não vos pervertais, fazendo para vós uma imagem esculpida em forma de ídolo… ”(Dt 4.15-16)… No entanto, desde o Antigo Testamento, Deus ordenou ou permitiu a instituição de imagens que conduziriam simbolicamente à salvação por meio do Verbo encarnado, como são a serpente de bronze, a Arca da Aliança e os querubins. Foi fundamentando-se no mistério do Verbo encarnado que o sétimo Concílio Ecumênico, em Nicéia (em 787), justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: os de Cristo, mas também os da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Ao se encarnar, o Filho de Deus inaugurou uma nova “economia das imagens”. O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. De fato, “a honra prestada a uma imagem se dirige ao modelo original, e quem venera uma imagem venera a pessoa que nela está pintada. A honra prestada às santas imagens é uma “veneração respeitosa”, e não uma adoração, que só compete a Deus. O culto às imagens sagradas está fundamentado no mistério da encarnação do Verbo de Deus. Não contraria o primeiro mandamento” (C.I.C. pg. 560-562, itens 2129-2132, 2141).

Analisando as explicações

a) “O mandamento divino INCLUÍA a representação de toda representação de Deus por mãos do homem”.

O Decálogo é, no varejo, o que Jesus disse no atacado: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento”, e “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22.35-40; Dt 6.5; 10.12; 30.6; Lv 19.18). Num coração cheio do amor de Deus e do amor a Deus não há espaço para a adoração de pessoas ou coisas.

b) “No entanto, Deus ordenou… a serpente de bronze, a Arca da Aliança, os querubins…”

A Arca da Aliança e os querubins passaram. Faziam parte de cerimônias e símbolos instituídos por Deus, de acordo com sua infinita sabedoria e soberana vontade, para melhor conduzir o povo em sua fé. Agora, vindo Cristo, temos “um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação, nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue…” (Hebreus 9.11).

A serpente de bronze – Este símbolo tão zelosamente defendido pela Igreja de Roma foi um remédio específico para um mal específico numa situação especial (Nm 21.7-9). Agora, já não precisamos de figuras para nossos males físicos e espirituais. Como disse João Ferreira de Almeida, “o poder vivificante da serpente de metal prefigura a morte sacrificial de Jesus Cristo, levantado que foi na cruz para dar vida a todos que para Ele olharem com fé”. O próprio Jesus assim se manifestou: “E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do Homem seja levantado, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.14-15). Deus não recomendou o culto, a homenagem ou a veneração à serpente. Por isso, o rei Ezequias, temente e reto aos olhos do Senhor, ao perceber que o povo prestava culto à serpente, tratou de destruí-la. (2 Rs 18.4). Ademais, não se vê em Atos dos Apóstolos qualquer indício de uso de figuras, ícones ou imagens destinados a facilitar a compreensão e conduzir os fiéis à salvação.

c) “… o sétimo Concílio ecumênico, em Nicéia (em 787), justificou… o culto dos ícones : os de Cristo, mas também os da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. De fato, a honra prestada a uma imagem se dirige ao modelo original, e quem venera uma imagem venera a pessoa que nela está pintada”.

Ora, se o mandamento proíbe o culto aos ídolos, então o culto aos ídolos é proibido. Desculpem-me os leitores pelo óbvio. Portanto, o culto às imagens contraria o mandamento, que foi confirmado no Novo Pacto (1 Jo 5.21). Se contraria, é pecado cultuá-los. O Concílio de Nicéia justificou, mas são justificativas de homens. A Palavra é o padrão. A tradição deverá ajustar-se à Palavra. A honra ao modelo original via imagem parte de uma premissa falsa, porque as imagens não são em sua grande maioria cópias fiéis dos originais, exemplos de Jesus, Maria, José e dos santos apóstolos. Seus traços físicos não foram revelados nem por fotografias nem por pinturas. Jeremias foi direto: “Suas imagens são mentira” (Jr 10.14).

d) “A honra prestada às santas imagens é uma “veneração respeitosa”, e não uma adoração, que só compete a Deus”.

Venerar: “Tributar grande respeito a; render culto a, reverenciar”; Culto: “Adoração ou homenagem à divindade em qualquer de suas formas, e em qualquer religião”. Adorar: “Render culto a (divindade); reverenciar, venerar, idolatrar” (Dicionário Aurélio). Como se vê, é muito tênue a linha entre honrar, venerar, adorar e prestar culto. Vejamos o que Deus afirma: “Eu sou o Senhor. Este é o meu nome. A minha glória a outrem não a darei, nem a minha honra às imagens de escultura” (Is 42.8). Na Bíblia Linguagem de Hoje: Eu sou o Deus Eterno: este é o meu nome, e não permito que as imagens recebam o louvor que somente eu mereço.”Na Bíblia Ecumênica, Católica: “Eu sou o Senhor, este é o meu nome: eu não darei a outrem a minha glória, nem consentirei que se tribute aos ídolos o louvor que só a mim pertence”.

Outras referências

“Não fareis para vós ídolos, nem para vós levantareis imagem de escultura nem estátua, nem poreis figura de pedra na vossa terra para inclinar-vos diante dela. Eu sou o Senhor vosso Deus” (Lv 26.1).

“No dia em que o Senhor vosso Deus falou convosco em Horebe, do meio do fogo, não vistes figura nenhuma. Portanto, guardai com diligência as vossas almas, para que não vos corrompais, fazendo um ídolo, UMA IMAGEM DE QUALQUER TIPO, FIGURA DE HOMEM OU DE MULHER…” (Dt 4.15-16). O destaque é meu.

“As imagens de escultura de seus deuses queimarás no fogo. Não cobiçarás a prata nem o ouro que haja nelas, nem os tomarás para ti, para que não sejas iludido, pois É ABOMINAÇÃO AO SENHOR, TEU DEUS” (Dt 7.25). O destaque é meu.

“As suas imagens de fundição são vento e nada” (Is 41.29b)

“Eu sou o SENHOR; este é o meu nome! A minha glória a outrem não a darei, nem o meu louvor às imagens de escultura” (Is 42.8)

“Todo homem se embruteceu e não tem ciência; envergonha-se todo fundidor da sua imagem de escultura, porque sua imagem fundida é mentira, e não há espírito nela” (Jr 10.14).

“Arrancarei do meio de ti as tuas imagens de escultura e as tuas estátuas; e tu não te inclinarás mais diante da OBRA DAS TUAS MÃOS” (Mq 5.13).

“Também está cheia de ídolos a sua terra; inclinaram-se perante a OBRA DAS SUAS MÃOS, diante daquilo que fabricaram os seus dedos” (Is 2.8).

“Nada sabem os que conduzem em procissão as suas imagens de escultura, feitas de madeira, e rogam a um deus que não pode salvar” (Is 45.20).

“Mas o nosso Deus está nos céus e faz tudo o que lhe apraz. Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos dos homens. Têm boca, mas não falam; têm olhos, mas não vêem; têm ouvidos, mas não ouvem; nariz têm, mas não cheiram. Têm mãos, mas não apalpam; têm pés, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta. Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e todos os que neles confiam” (Sl 115.3-8).

“Eles trocam a verdade de Deus pela mentira e ADORAM E SERVEM O QUE DEUS CRIOU, em vez de adorarem e servirem o próprio Criador, que deve ser louvado para sempre. Amém” (Rm 1.25). O destaque é meu. Anjos e espíritos humanos são criaturas de Deus.

Conclusão

A proibição divina abrange:

a) Qualquer coisa (estátua, imagem, presépio) produzida por mãos humanas para ser objeto de veneração, adoração, culto ou louvor.

b) Imagens de toda a criação de Deus (anjos, pessoas, espíritos humanos, corpos celestes, animais).

c) Imagens de qualquer uma das três Pessoas da Trindade.

Está, portanto, contrário ao Segundo Mandamento qualquer culto de louvor, adoração, homenagem ou veneração às imagens representativas de pessoas falecidas, qualquer que tenha sido o grau de santidade por elas alcançado na vida terrena.
www.palavradaverdade.com

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *