Metereologia – IstoÉ
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ja_comecou.htm
O futuro já começou
Darlene Menconi e Francisco Alves Filho
Colaboraram: Felipe Gil e Luciana Sgarbi
Todos os anos, mais da metade da Floresta Amazônica enfrenta um teste de fogo. Rios, várzeas e igarapés passam semanas sem receber uma única gota de chuva. Apesar disso, as árvores resistem sempre verdes, úmidas e imunes às labaredas. Seu segredo está nas raízes que se esgueiram por mais de dez metros de profundidade até encontrar água para sobreviver à estiagem de até cinco meses. Só que este ano tudo deve ser diferente. E não apenas na maior floresta tropical do mundo.
O cenário de oscilações climáticas bruscas era algo que os cientistas alertavam que viria, mas se imaginava que em um horizonte de 50 ou 100 anos. A pior seca dos últimos 60 anos na Amazônia e a mais agitada temporada de furacões no Oceano Atlântico Norte mostram que essa realidade já chegou. Turbinada pelo aumento da temperatura nas águas do oceano, a natureza produziu Katrina, depois Rita e agora Wilma, cujos ventos de até 250 quilômetros por hora varreram Jamaica, México, Cuba e o Estado da Flórida (EUA), na semana passada. Esgotada a lista de 21 nomes, as novas tormentas serão batizadas com as letras do alfabeto grego, a começar com Alpha. É a primeira vez que isso acontece em 52 anos.
O ano de 2005 também deve entrar para a história como o mais quente dos últimos dois séculos. Tamanha convulsão atmosférica não acontece por acaso. Durante muitos anos, os cientistas avisaram que eventos climáticos intensos seriam as primeiras conseqüências do aquecimento global do planeta. Acelerado pelas atividades humanas, o aquecimento é fruto do aumento na emissão de gases de efeito estufa, uma espécie de cobertor na atmosfera, que funciona como uma estufa de plantas.
Queimadas – “Num planeta mais quente, os extremos como secas, inundações e furacões vão ocorrer com mais freqüência. Por isso, nós cientistas evitamos falar em mudanças climáticas no futuro. O futuro já chegou”, resume o meteorologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O Brasil seria um modelo de boas práticas, segundo Nobre, não fossem as queimadas na Amazônia. “Temos uma matriz energética limpa, a maior parte é de hidrelétrica; somos o País que mais usa biocombustível, que é renovável. O que põe o Brasil na lista dos grandes emissores de gases de efeito estufa é o desmatamento”, explica.
Ano a ano, colecionamos recordes de devastação. Sempre se soube que as estatísticas oficiais não condizem com a realidade perversa da destruição da mata, que começa pela extração ilegal da madeira, segue com queimadas que limpam terreno para a agricultura e depois vem o pasto. Na semana passada, pesquisadores do Instituto Carnegie de Washington, dos EUA, e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) comprovaram que o estrago é maior do que se pensava.
Usando novo método de análise baseado em três satélites, o grupo conseguiu observar a mata com maior precisão e afirma que o desgaste foi pelo menos o dobro do registrado. “Entre 1999 e 2002, a extração seletiva de madeira, que preserva a mata em torno, aumentou de 60% a 123%”, explica o pesquisador da Embrapa José Natalino Silva, que aponta Pará, Mato Grosso, Acre, Rondônia e Roraima como os Estados mais agressivos. Pelo método atual de observação, os satélites flagram grandes clareiras, sem detectar a derrubada de árvores de menor porte.
Com o desmatamento, a floresta perde umidade e assim começa uma reação em cadeia. “Quando há seca, também há menos água no solo para evaporare isso prejudica a formação de chuvas. Assim, a vegetação fica mais seca e a região toda propensa a incêndios. A intensa seca deste ano já pode ser resultado do desmatamento”, diz o biólogo Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). “Eventos como o El Niño e os furacões são outra fonte de ignição para as queimadas.”
Sabe-se que a Amazônia tem grande influência no regime de chuvas de toda a América do Sul. Por isso a preocupação dos meteorologistas. Para Carlos Nobre, que assume em janeiro a presidência do maior projeto de pesquisa mundial sobre o ambiente, o Programa Internacional da Geosfera-Biosfera, com sede na Suécia, o grande desafio mundial deste século é diminuir a emissão de gases de efeito estufa e, no Brasil, reduzir o desmatamento da Amazônia.
Reação – Se a devastação continuar, criam-se condições para parte da floresta se tornar propícia à savana, uma região de temperatura quente, seca pronunciada e vegetação adaptada ao fogo. “Hoje a área desmatada na Amazônia é de 17%. Se tivermos de 40% a 70%, pode haver a savanização”, explica Nobre.
Para Tasso Azevedo, diretor de florestas do Ministério do Meio Ambiente, a tragédia na Amazônia representa um divisor de águas. “Imaginei ver cenas como essas só daqui a 20 anos”, conta. Embora discorde dos novos números sobre a devastação, ele diz que a dramática estiagem na Amazônia pode ser a oportunidade para o Brasil reverter a história de descuidos com a natureza. “Ou tomamos a decisão de fazer a economia girar em torno da floresta ou vamos ter que nos virar com secas cada vez mais graves”, diz. Nesse processo, cada brasileiro pode fazer sua parte ao comprar só madeiras certificadas, reciclar, evitar o desperdício e, sobretudo, economizar energia. O futuro do planeta está em nossas mãos.